segunda-feira, 29 setembro / 2025

O setor automotivo chinês, que nos últimos anos foi símbolo de inovação e crescimento, enfrenta agora sua fase mais delicada. Com 129 marcas nacionais registradas, a China se transformou em um gigante da produção de veículos — mas o excesso de oferta está cobrando seu preço.

Segundo reportagem da Reuters, grande parte dessas montadoras opera no vermelho, sustentada por subsídios governamentais, descontos agressivos e manobras contábeis que mascaram a realidade. A prática de emplacar veículos que não foram efetivamente vendidos, apenas para inflar estatísticas, se tornou comum.

O resultado é um mercado saturado e insustentável, onde concessionárias estocam milhares de carros encalhados, e empresas menores já ensaiam pedidos de falência.

Guerra de preços e práticas irregulares

Na tentativa de sobreviver, muitas montadoras entraram em uma guerra de preços que já dura três anos. Para o consumidor local, isso significa promoções e descontos agressivos. Mas para a indústria, o efeito é devastador: margens cada vez mais negativas e empresas vendendo veículos com prejuízo.

Consultorias internacionais apontam que apenas 30% das entregas feitas na China em 2025 foram lucrativas. O restante serviu apenas para manter fábricas em funcionamento e cumprir metas de produção estabelecidas pelo governo.

O fenômeno gerou até cemitérios automotivos, onde carros zero quilômetro, sem compradores, são abandonados em terrenos baldios, criando riscos ambientais e escancarando a superprodução. Em outros casos, veículos novos são revendidos como “seminovos” para tentar dar vazão ao estoque.

Apenas 15 marcas podem sobreviver até 2030

Um relatório da consultoria Alix Partners prevê que, das 129 montadoras de veículos elétricos e híbridos que operam hoje na China, apenas 15 devem permanecer ativas até 2030.

Isso significa que o país pode viver uma falência em massa de fabricantes, com impactos diretos no emprego, na economia e no futuro do setor automotivo global.

As marcas mais consolidadas, como BYD, GWM (Great Wall Motors) e Chery, têm projeção de sobrevivência graças à presença internacional e ao reconhecimento de mercado. Já fabricantes menores, como a Neta — que chegou a estrear no Brasil recentemente — não resistiram e já decretaram falência na China.

A palavra mais usada entre executivos locais é “involução”: ao invés de evolução, uma competição que se torna autodestrutiva, corroendo a própria indústria que deveria fortalecer.

Reflexos globais: Europa, EUA e Brasil na linha de frente

O problema chinês não se limita às fronteiras do país. O excesso de produção e os preços baixos ameaçam desestabilizar outros mercados.

Na Europa, montadoras tradicionais como Volkswagen, Renault e Peugeot enfrentam o desafio de competir com carros chineses mais baratos e recheados de tecnologia. Governos europeus já discutem tarifas de importação para proteger suas indústrias.

Nos Estados Unidos, a resposta foi ainda mais dura: praticamente todos os carros chineses foram barrados por questões de “segurança nacional” e “concorrência desleal”.

E no Brasil? O impacto pode ser mais moderado, mas não inexistente. Marcas como BYD, GWM e Chery, que já possuem fábricas ou centros de montagem no país, devem continuar firmes. No entanto, montadoras menores que tentarem se instalar podem enfrentar o mesmo destino da Neta: rápida ascensão seguida de desaparecimento.

O que está em jogo para o consumidor brasileiro

Para os brasileiros, os carros chineses se tornaram uma opção atraente pelo custo-benefício. Modelos como o BYD Dolphin Mini, 100% elétrico, chegam ao mercado nacional por cerca de R$ 120 mil, com acabamento, espaço interno e tecnologia que rivalizam com concorrentes tradicionais muito mais caros.

Outro exemplo é o Tiggo 7 Sport, da Chery, vendido por aproximadamente R$ 140 mil — valor próximo ao de um Renault Duster manual, mas com pacote tecnológico e acabamento superiores.

Apesar das vantagens, há um risco oculto: a descontinuidade de marcas pouco consolidadas. O consumidor que aposta em montadoras sem estrutura global pode enfrentar dificuldades de reposição de peças, assistência técnica e até perda acelerada de valor de revenda.

Especialistas recomendam priorizar marcas que já produzem localmente no Brasil, como a CAOA Chery, ou aquelas que possuem forte presença global, como BYD e GWM.

Por que a China chegou a esse ponto?

O colapso iminente da indústria automotiva chinesa é fruto de um modelo de crescimento baseado em subsídios. Durante anos, o governo estimulou a produção desenfreada de veículos, principalmente elétricos, com a ambição de tornar o país líder mundial no setor.

A estratégia funcionou: a China ultrapassou rivais globais e se consolidou como potência automotiva. No entanto, a produção superou em muito a demanda real, criando estoques encalhados, distorções de mercado e prejuízos generalizados.

Agora, autoridades chinesas tentam conter a crise prometendo reduzir a guerra de preços e limitar a capacidade ociosa. Mas analistas afirmam que o processo de “seleção natural” das montadoras é inevitável.

A bolha prestes a estourar

O setor automotivo chinês, que já foi exemplo de crescimento acelerado, agora enfrenta um dos maiores desafios de sua história. A falência em massa de montadoras é vista por especialistas como inevitável, e apenas as gigantes com presença internacional devem resistir.

Para o Brasil, o impacto pode ser limitado, mas o consumidor precisa ficar atento: comprar de uma marca emergente sem presença global pode significar ficar na mão em poucos anos.

Enquanto isso, a pergunta que fica é: a crise será suficiente para desacelerar a expansão da China no setor automotivo mundial — ou o país continuará exportando em massa, empurrando o problema para outros mercados?

O certo é que a bolha da superprodução está prestes a estourar, e seus efeitos serão sentidos muito além das fronteiras chinesas.

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Jornalista e empresário, atua desde 2010 na área de comunicação digital. Fundador do O Petróleo, tem experiência em economia, energia, política e cobertura internacional.